sentir-se em casa

O melhor de viver em turnê é ter a chance de conhecer culturas e lugares incríveis. Por outro lado temos os aspectos negativos, e um deles é a falta do "sentir-se em casa". Sabe aquelas coisas simples e tão cotidianas, tipo:  saber onde ir se queres comer aquela comidinha especial, saber que aquela padaria tem pãozinho quentinho em tal hora, saber pra quem ligar se o cano estoura, saber o nome das ruas de onde vives, saber falar a língua local, ter uma costureira de confiança, um dentista, uma ginecologista... e assim por diante.

Eu não tinha me dado conta do quanto nossa mente acaba criando estratégias para que possamos desfrutar um pouco deste sentimento, mesmo não estando "em casa". Algumas delas: tentar freqüentar o mesmo supermercado, alguns restaurantes próximo ao hotel, conversar com os quitandeiros, as donas da padaria e mercadinhos (eles têm sempre ótimas dicas!). 

Seul é uma cidade especial. Uma metrópole pesada, com milhões de pessoas pelas ruas, cada um vidrado no seu celular e as caras fechadas para os estrangeiros. Não são de muitos sorrisos e adoram empurrar os outros no metro. Arrisco-me a dizer que isso deveria virar esporte nacional: "Empurrão de pessoas à distância".
O "sentir-se em casa" aqui é quase impossível! A tia da quitanda, a caixa do supermercado, a dona da padaria, não falam inglês e tampouco tentam se comunicar com a gente. Eles ficam muito nervosos por não saberem a língua. O resultado é: comunicação zero.Claro que não são todos, mas a maioria.
Aos poucos a gente tenta encontrar uma maneira de se comunicar com eles, porque sim, precisamos em algum momento nos sentir em casa.

Uma maneira que encontramos foi ir na churrascaria brasileira toda semana. Não costumamos fazer isso porque adoramos provar comida local, mas a falta de comunicação tem sido tão difícil, que nos resultou buscar um lugar onde alguém nos entendesse. Lá nos sentimos em casa, conhecemos todo mundo e eles nos conhecem!

Lembro que um dia cheguei e a dona (uma coreana) me perguntou "Vais querer TUA coca zero?". Eu olhei pra ela com aqueles olhos brilhando de criança e, sorrindo, disse: "Sim, eu quero". Depois o garçom venho com a carne e falou "Mal-passada, né?". Pronto, outra vez meus olhos saltaram: "Sim, sim!" Isso é “sentir-se em casa”! Com os brasileiros é sempre mais fácil, mas a dona que me surpreendeu!

Mas minha maior surpresa aqui aconteceu essa semana, na verdade, duas surpresas. A primeira em um restaurante que como três vezes por semana. Eu cheguei, pedi meu noodles e eles trouxeram junto uma porção de dumplings. Eles não falam uma palavra em inglês, e eu tentei dizer "não, eu não pedi isso", e ele fazia cara de quem me oferecia. Eu aceitei e comi, pensando: "qualquer coisa eu pago no final". Primeira surpresa: era realmente um brinde! Por eu comer sempre ali, eles me ofertaram! Outra vez, saí do restaurante com o mesmo sentimento! Ai que delícia!

A segunda situação foi num bar onde como sushi. Eles sempre trazem os rolinhos com um pouquinho de molho de soja. Toda vez eu peço mais molho. A última vez que fui a garçonete largou a bandeja na mesa e, antes que eu pedisse, ela apontou para o pratinho do molho e disse (eu acho, porque era em coreano) "peraí que já vou trazer teu molhinho". Ai que coisa boa isso!! Ela fez carinha de vó quando sabe o que a neta gosta! Ela e eu ficamos sorrindo uma pra outra como quem diz: "agora já nos conhecemos bem!". 

Está semana foi de surpresa nos restaurantes coreanos. Esses pequenos atos de reconhecimento do outro me fizeram mudar minha visão quanto a essa cultura. Também ajudou a aliviar a interminável angústia de querer ir embora daqui. Depois de quase três meses, partimos na quarta.

Hoje falei pro Fabri: "Tu notaste que há uma semana a cidade está menos barulhenta, menos pessoas nas ruas e mais calma?"
Ele disse que não. 
E eu acho que sim. Quem sabe por que eu, por estes dois pequenos atos (que me surpreenderam) estou finalmente, me sentindo em casa. 
Não confortável, porque é difícil se sentir confortável aqui, mas já posso reconhecer e ser reconhecida.

Coisas da vida louca que temos. Sentimentos que se mesclam com nossas constantes mudanças de cidade e incessante adaptação a tudo.
Mas os olhares e gestos dos dumplings e do molhinho me mostraram que tem muito a descobrir por aqui!
É a vida, nos surpreendendo a cada instante!

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